O Humilde Cabe em Qualquer Lugar

By 29 de março de 2021 MEUS TEXTOS, MINHA VIDA, REFLEXÃO

O Humilde Cabe em Qualquer Lugar

Eu cresci num ambiente familiar típico da década de 1980. Cresci e percebi que minha dinâmica familiar funcionava mais ou menos assim, meu pai saia sempre muito cedo para trabalhar e minha mãe cuidava das infindas tarefas do lar, e sempre foi assim, porém eu nunca enxerguei maior valor naquilo que meu pai fazia e menor valor nas atividades do lar exercidas pela minha mãe, ou vice-versa, ambos sempre executaram funções extremamente necessárias para o bom funcionamento de nossa casa. Quando meu irmão nasceu as atividades do lar aumentaram significativamente, afinal de contas agora eram dois filhos bagunçando constantemente a organização de nossa residência – hoje, eu com dois filhos sei exatamente como é isso.

Por esse período tornou-se importantíssimo a presença de alguma pessoa em casa, auxiliando na limpeza em algum dia específico, seja semanalmente ou quinzenalmente. O que hoje nós chamamos de uma diarista. Algumas pessoas passaram por lá cumprindo essa função tão relevante. Um episódio me marcou muito com uma dessas diaristas, a Ciça, que vinha de longe, de muito longe, ela tomava várias conduções e morava num lugar distante chamado “Pantanal”, esse nome mexia com meu imaginário, eu pensava que ela vivia no meio de uma floresta e passava por diversas aventuras para chegar em nossa casa (risos), não era nada disso, assim como nós ela também morava numa periferia, só que num lugar mais distante e por isso o apelido jocoso “Pantanal”.

Numa ocasião, eu devia ter uns 8 anos de idade, e nesse dia a Ciça estava ajudando minha mãe na limpeza da casa. A Ciça acabou desarrumando, bagunçado um cantinho onde eu estava brincando e tinha construído uma pequena cabana. Eu me lembro que fiquei furioso quando vi meu esconderijo todo destruído, não pensei duas vezes me virei para Ciça e do alto dos meus 8 anos de idade esbravejei, gritei e fui muito mal-educado com ela, minha mãe interveio, me pegou pela orelha e mandou eu me desculpar com a Ciça. Ao fazer isso ela me lembrou que a Ciça estava lá para nos ajudar. Quando meu pai chegou do trabalho, minha mãe relatou para ele todo ocorrido, e, novamente ele exigiu que eu pedisse desculpas para Ciça. Naquele dia percebi e aprendi que as pessoas que eram contratadas para oferecer algum serviço para nós eram iguais a nós, dignas do mesmo respeito e da mesma educação. O que nos distinguia por um breve momento eram os papéis assumidos, o papel de quem contratava e, faço questão de frisar – por aquele breve momento – o papel de quem oferecia o seu digno serviço.

A partir desse dia comecei a reparar que todos que passaram de alguma forma pela nossa história oferecendo algum tipo de serviço se tornaram nossas amigas e amigos. A Ciça por exemplo, tornou-se comum eu vê-la no final de cada expediente sentada ao redor de nossa mesa, partilhando de uma refeição, jogando conversa fora e dando risadas com meu pai e com a minha mãe. Isso também ocorreu com pedreiros que passaram por lá, aconteceu com a tia do ônibus escolar, com pintores, com o serralheiro que fez nossas grades e portões, aconteceu com o rapaz que consertava nossa máquina de lavar, aconteceu com a nossa dentista – são pessoas que ao longo de nossa jornada familiar nos beneficiaram com seus serviços e talentos, e se tornaram pessoas de nosso convívio, elas estão em nossas fotografias de festas de aniversários e de outras festividades, todos foram inseridos de alguma forma numa esfera que foi além da mera prestação de serviços.

A mim isso se tornou muito caro! Ao longo de minha jornada pessoal e profissional eu carreguei isso comigo. Na vida profissional eu sempre trabalhei na área de tecnologia nas empresas pelas quais passei, e por esse motivo meu contato no dia a dia sempre estava ligado as pessoas de áreas administrativas, porém minhas amizades nunca se limitaram a essas áreas. Fiz amizade com jardineiros, com motoristas, com a tia do café, com o rapaz da limpeza, fui convidado para festas e para refeições com todos eles. Ao passo que também sempre soube lidar com as pessoas que estavam em posições superiores a minha, gerentes, coordenadores, diretores, e assim por diante e com estes também fiz grandes e permanentes amizades. Ainda hoje, que estou em outra dinâmica profissional, na qual eu lido com clientes e seus funcionários na maioria dos dias, tenho percebido como é positivo tratar o colaborador de uma empresa com o mesmo respeito e atenção com a qual eu trato o proprietário daquele negócio. Tenho aprendido e praticado a verdade de que “o humilde cabe e é bem aceito em qualquer lugar.”

Rodrigo
Março/2021